O manifesto profético das mulheres da Via Campesina
Desde 2006, as mulheres da Via Campesina nos alertam para o perigo que representam as monoculturas de plantas exóticas como, por exemplo, os eucaliptos. No Dia Internacional a Mulher de 2006, enquanto muitas mulheres, recebendo homenagens, felicitações ou presentes, se consolavam de uma longa trajetória de machismos, preconceitos e violência, outras resolveram agir. Foram as mulheres organizadas pela Via Campesina que ocuparam o horto florestal da Aracruz Celulose no Rio Grande do Sul. E a ação delas era uma reação perante esta história de violação da vida. Ao longo da nossa história a vida sempre foi violentada em nome do progresso e do desenvolvimento. Por isso, a reação das mulheres em defesa da dignidade humana e da integridade do meio ambiente, se deu num lugar que simbolizava este progresso destruidor e sem perspectiva de vida. E com o ato de oito de março de 2006, o Dia Internacional da Mulher se tornou muito mais simbólico. É, pois, um dia de luta, um dia de alerta, de mostrar para a sociedade onde a vida realmente está ameaçada e quem são os agentes de tais ameaças.
Agora, em 2009, as mulheres da Via Campesina ocuparam uma área de terra no sul do Estado gaúcho e mais uma vez denunciam os malefícios provocados pelas monoculturas de plantas exóticas, pelo agronegócio e pelas multinacionais invasoras. Mas, será que a sociedade vai ter suficiente bom senso para ouvi-las ou ainda está vendada com o véu imposto pela grande mídia? O alerta das mulheres da Via Campesina deve percorrer o mundo como uma palavra profética e libertadora.
Elas denunciam claramente que na fronteira do Brasil com Uruguai, nos municípios de Candiota e Aceguá tem uma área da Votorantin Celulose e Papel com 48 mil, quase 50 mil hectares de terra com monocultivo de eucalipto para a produção de celulose para exportação. E elas, com sabedoria e autoridade, denunciam que se trata de um empreendimento que não paga impostos, destrói a terra, contamina o lençol freático por conta dos agrotóxicos, seca rios e nascentes numa região historicamente marcada por sucessivas estiagens. E além dos terríveis danos ambientais, vem causando danos às pessoas com desemprego e péssimas condições de trabalho.
Para se ter uma ideia do que representa negativamente o cultivo de eucaliptos nas terras da Votorantin, vamos olhar e comparar com uma área de assentamentos da Reforma Agrária na mesma região e com alguns hectares a menos. Em Hulha Negra, Candiota e Aceguá, a área de Reforma Agrária corresponde a 45 mil hectares de terra e deu lugar para 1.860 famílias viverem com dignidade do próprio trabalho. E estas famílias estão organizadas em 46 comunidades, onde, na maioria delas, se reúnem semanalmente para as celebrações e o lazer, como também para debater e planejar a produção e organizar a vida social. O local possui hoje 16 escolas, onde estudam 1.260 crianças e jovens. E para citar alguns dados da produção, é importante dizer que as famílias assentadas na região produzem: 50mil kg de mel por ano, 1 milhão de litros de leite por mês, 15 toneladas de trigo por ano, além de galinha, porco, peixe, cebola, amendoim, milho, linhaça, sorgo e etc. No local existem 2 moinhos para milho, trigo e arroz e 4 cooperativas de produção e trabalho. Uma das cooperativas produz sementes agro-ecológicas, tendo uma produção de 100 toneladas por ano. Também tem duas emissoras de rádio comunitária e um ginásio de esportes.
Em síntese, quase duas mil famílias vivem dignamente na região e não precisam pedir esmolas, nem disputar os poucos empregos oferecidos nas cidades. E seus filhos estão mais distantes dos perigos da violência e das drogas que existem no mundo urbano. As pessoas levam uma vida digna, se alimentam bem e cultivam valores que em grande parte a civilização urbana vem perdendo. Entre o monocultivo de plantas exóticas, o agronegócio das multinacionais e a Reforma Agrária e Agricultura Familiar, existe uma grande diferença, que é a dignidade humana e a preservação do meio ambiente. Nossos governos vem fazendo opções contraditórias quando investem pouco ou nada na Agricultura Familiar e liberam grandes volumes de dinheiro para estas multinacionais e empresas do agronegócio que não produzem alimentos, não geram empregos e ainda destroem o meio ambiente. Espera-se que a sociedade compreenda o profético manifesto das mulheres da Via Campesina no Sul e passe a somar forças na luta em defesa da vida.
Frei Pilato Pereira
Nenhum comentário:
Postar um comentário