terça-feira, 10 de março de 2009

O manifesto profético das mulheres da Via Campesina

O manifesto profético das mulheres da Via Campesina

 
Quando uma mulher, seja mãe, irmã, amiga ou, para os casados, a esposa ou uma companheira de trabalho, enfim, quando uma mulher nos chama a atenção para alguma coisa que está errada, nem sempre nossos preconceitos nos permitem ter a devida compreensão. Ainda meninos, quando nossa mãe nos alertava de algo que representava perigo, nem sempre tínhamos a humildade de reconhecer a razão da mulher que queria nos proteger e garantir nossa vida. Não sabíamos que as mulheres têm um sexto sentido ou articulam tão bem os cinco sentidos que conseguem captar, compreender muito além dos nossos olhos e das nossas percepções. Pelo pouco que conheço das mulheres, especialmente pela convivência com minha mãe, sei com toda a certeza, que elas geralmente estão sempre atentas e preocupadas com a vida. E é normal muitas vezes a mulher colocar sua própria vida em risco para defender a vida do filho ou de outra pessoa. E parece também que as mulheres têm os olhos fitos no futuro e, com os pés no chão, conseguem alertar para futuras consequências de certos atos do presente.

 

Desde 2006, as mulheres da Via Campesina nos alertam para o perigo que representam as monoculturas de plantas exóticas como, por exemplo, os eucaliptos. No Dia Internacional a Mulher de 2006, enquanto muitas mulheres, recebendo homenagens, felicitações ou presentes, se consolavam de uma longa trajetória de machismos, preconceitos e violência, outras resolveram agir. Foram as mulheres organizadas pela Via Campesina que ocuparam o horto florestal da Aracruz Celulose no Rio Grande do Sul. E a ação delas era uma reação perante esta história de violação da vida. Ao longo da nossa história a vida sempre foi violentada em nome do progresso e do desenvolvimento. Por isso, a reação das mulheres em defesa da dignidade humana e da integridade do meio ambiente, se deu num lugar que simbolizava este progresso destruidor e sem perspectiva de vida. E com o ato de oito de março de 2006, o Dia Internacional da Mulher se tornou muito mais simbólico. É, pois, um dia de luta, um dia de alerta, de mostrar para a sociedade onde a vida realmente está ameaçada e quem são os agentes de tais ameaças.

 

Agora, em 2009, as mulheres da Via Campesina ocuparam uma área de terra no sul do Estado gaúcho e mais uma vez denunciam os malefícios provocados pelas monoculturas de plantas exóticas, pelo agronegócio e pelas multinacionais invasoras. Mas, será que a sociedade vai ter suficiente bom senso para ouvi-las ou ainda está vendada com o véu imposto pela grande mídia? O alerta das mulheres da Via Campesina deve percorrer o mundo como uma palavra profética e libertadora.

 

Elas denunciam claramente que na fronteira do Brasil com Uruguai, nos municípios de Candiota e Aceguá tem uma área da Votorantin Celulose e Papel com 48 mil, quase 50 mil hectares de terra com monocultivo de eucalipto para a produção de celulose para exportação. E elas, com sabedoria e autoridade, denunciam que se trata de um empreendimento que não paga impostos, destrói a terra, contamina o lençol freático por conta dos agrotóxicos, seca rios e nascentes numa região historicamente marcada por sucessivas estiagens. E além dos terríveis danos ambientais, vem causando danos às pessoas com desemprego e péssimas condições de trabalho.

 

Para se ter uma ideia do que representa negativamente o cultivo de eucaliptos nas terras da Votorantin, vamos olhar e comparar com uma área de assentamentos da Reforma Agrária na mesma região e com alguns hectares a menos. Em Hulha Negra, Candiota e Aceguá, a área de Reforma Agrária corresponde a 45 mil hectares de terra e deu lugar para 1.860 famílias viverem com dignidade do próprio trabalho. E estas famílias estão organizadas em 46 comunidades, onde, na maioria delas, se reúnem semanalmente para as celebrações e o lazer, como também para debater e planejar a produção e organizar a vida social. O local possui hoje 16 escolas, onde estudam 1.260 crianças e jovens. E para citar alguns dados da produção, é importante dizer que as famílias assentadas na região produzem: 50mil kg de mel por ano, 1 milhão de litros de leite por mês, 15 toneladas de trigo por ano, além de galinha, porco, peixe, cebola, amendoim, milho, linhaça, sorgo e etc. No local existem 2 moinhos para milho, trigo e arroz e 4 cooperativas de produção e trabalho. Uma das cooperativas produz sementes agro-ecológicas, tendo uma produção de 100 toneladas por ano. Também tem duas emissoras de rádio comunitária e um ginásio de esportes.

 

Em síntese, quase duas mil famílias vivem dignamente na região e não precisam pedir esmolas, nem disputar os poucos empregos oferecidos nas cidades. E seus filhos estão mais distantes dos perigos da violência e das drogas que existem no mundo urbano. As pessoas levam uma vida digna, se alimentam bem e cultivam valores que em grande parte a civilização urbana vem perdendo. Entre o monocultivo de plantas exóticas, o agronegócio das multinacionais e a Reforma Agrária e Agricultura Familiar, existe uma grande diferença, que é a dignidade humana e a preservação do meio ambiente. Nossos governos vem fazendo opções contraditórias quando investem pouco ou nada na Agricultura Familiar e liberam grandes volumes de dinheiro para estas multinacionais e empresas do agronegócio que não produzem alimentos, não geram empregos e ainda destroem o meio ambiente. Espera-se que a sociedade compreenda o profético manifesto das mulheres da Via Campesina no Sul e passe a somar forças na luta em defesa da vida.

 

Frei Pilato Pereira

 

 

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